A Ofensiva Política em Mato Grosso: O Que Está em Jogo nas Homologações Indígenas
Nos últimos dias, organizações de Mato Grosso denunciaram uma ofensiva política dirigida contra homologações de terras indígenas, levantando um debate que ultrapassa o campo legal e se aprofunda nas contradições entre poder, direito e território. Segundo os grupos, há uma campanha coordenada para deslegitimar demarcações já consolidadas, reescrevendo a narrativa pública de modo a favorecer interesses particulares. O esforço, segundo eles, não é apenas retórico: representa um ataque à memória histórica dos povos originários e à segurança social. Esse movimento revela a complexidade de disputas territoriais em um estado marcado por forte pressão do agronegócio e por conflitos fundiários latentes.
Essas denúncias partem de uma série de entidades socioambientais e movimentos sociais que classificam como deliberadas as distorções feitas pelo governo estadual. Para essas organizações, a versão promovida pelas autoridades de que as homologações representariam uma “ampliação” de terras é falsa. As terras mencionadas já passaram por todos os processos legais — identificação, demarcação física, contraditório — muito antes das recentes declarações oficiais. A formalização, portanto, não seria uma expansão de território, mas o reconhecimento formal de direitos previamente assegurados, segundo os representantes indígenas e ambientalistas.
A percepção pública construída pelo Estado tem consequências profundas. Ao tratar a homologação como “novidade” ou “aumento”, autoridades estariam criando uma narrativa de ameaça à produção ou ao desenvolvimento, alimentando medos entre parcelas da população rural ou política. Esse discurso, de acordo com as entidades, serve para legitimar grilagem e práticas ilegais de apropriação de terras, sob o verniz da legalidade. Ao mesmo tempo, há uma estratégia política clara: a desinformação como arma para mobilizar opositores, criar conflito e fragilizar a posição das populações indígenas.
Além disso, as organizações denunciam que a ofensiva deslegitima os direitos constitucionais dos povos indígenas. Durante a apresentação dessas críticas, os grupos enfatizam que a tese do marco temporal — que condiciona as demarcações à ocupação em 1988 — já foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Para eles, insistir nessa linha não é apenas um retrocesso jurídico, mas um ataque direto à cidadania desses povos. O uso político dessa tese representaria uma instrumentalização do direito contra aqueles que já vivem há gerações nessas terras.
Do ponto ambiental, as homologações são vistas pelas entidades como essenciais para a proteção de ecossistemas críticos. As terras indígenas representam áreas estratégicas para a conservação da biodiversidade, para a regulação hídrica e para a mitigação das mudanças climáticas. Ao contestar essas homologações, a narrativa oficial estaria ignorando o papel central desses territórios como guardiões de serviços ambientais vitais não apenas para os indígenas, mas para toda a população mato-grossense.
As organizações que assinam as denúncias são variadas e compostas por grupos com diferentes expertises, desde instituições socioambientais até movimentos de trabalhadores rurais. Juntas, essas entidades afirmam que o ataque coordenado reflete uma estratégia sistemática: desacreditar os povos indígenas e questionar seus direitos legais, enquanto legitimam a ocupação irregular e a lógica do aproveitamento econômico de recursos naturais. Esse tipo de manobra política, dizem, pode minar a estabilidade territorial e abrir espaço para novos conflitos.
Há ainda a preocupação com a instabilidade fundiária: permitir que a narrativa de “expansão ilegal” prospere pode abrir precedentes para ainda mais disputas violentas ou ilegais. Além disso, a insatisfação das comunidades pode aumentar, elevando tensões e aumentando o risco de conflitos sociais, especialmente em regiões onde o agronegócio está presente há décadas. As denúncias das organizações, portanto, não são apenas simbólicas, mas representam um alerta sobre a segurança física e jurídica das populações indígenas.
Por fim, a mobilização dessas 19 organizações mato-grossenses — incluindo observatórios, instituições ambientais e movimentos sociais — aponta para uma articulação civil ativa em defesa da democracia, da justiça e da proteção ambiental. Esse tipo de ação reforça a importância de manter a atenção pública sobre as políticas fundiárias, especialmente em momentos de crise política ou ambiental. As denúncias não são apenas reações pontuais: são parte de um esforço maior para garantir que direitos fundamentais não sejam corroídos por estratégias políticas de curto prazo.
Autor: Weber Klein






